A ideia de hoje é termos uma pequena conversa sobre o tema da maternidade. Esse é um tema que me faz questão há uns 7 anos. É o período em que descobri minha gestação. Hoje a minha pequena está com 6 anos e permanecemos nos conhecendo e se redescobrindo. A gestação foi um certo divisor de águas nas minhas relações e no meu modo de ver o mundo.
No início minha questão foi sobre o parto. Medo da dor, de como seria, da recuperação e todos os fantasmas que ele carrega. Depois passou a ser também a pergunta de como seria como mãe, quais eram mesmo as coisas importantes da vida, o que eu sabia sobre as coisas e como seria ter a responsabilidade de formar um ser humano.
Essa preocupação com essa responsabilidade me fez refletir de como foi a história das mulheres da minha família, de como elas criaram seus filhos, qual a história de vida delas e também sobre os relacionamentos e os pais (homens) do meu sistema familiar. Junto da minha gestação também veio questões do meu relacionamento com o pai da minha filha. Oito meses depois do nascimento dela houve uma separação, um puerpério difícil (como quase todos, acredito) e uma nova forma de readaptação na minha vida.
A partir do que vivi, comecei uma busca pessoal e, por consequência, um novo olhar profissional. Uma vontade de estudar, conversar e compreender outras mulheres. A Constelação Familiar apareceu na minha vida e fez ressignificar muitos fatos e modos de enxergar minha história.
A minha maternidade me fez olhar a minha maternagem. Ou seja, o ato de me tornar mãe me fez olhar para o cuidado com minha filha, comigo e com as mulheres. A maternidade atual é uma construção histórica, baseada num fenômeno social. Se olharmos para a história da relação da mulher na criação de seus filhos passamos de um momento inicial em que ela não era nem mesmo considerada, ou mesmo, existente a um momento de supervalorização de como esses cuidados devem ser. Passamos de um período em que se acreditava que a terra dava origem ao ser humano, onde a mulher não aparece para um período em que as mulheres têm uma função bem específica de cuidar da casa e dos filhos exclusivamente. Após há um movimento de olhar para a mulher como um ser sagrado, puro e divino. O que carregamos inconscientemente até hoje, como seres capazes de dar conta de tudo, imaculadas e fadadas ao sofrimento.
Essa imagem da maternidade que construímos hoje, muitas vezes, colocam a mulher num “estado infantil” de que a maternidade ora é carregada de dores e sofrimento, ora é carregada de encantamento e mágica. Geralmente, há uma polaridade nesse olhar. Ou é de um modo ou de outro. E nos dois teremos desapontamentos, frustrações, raiva, alegrias, surpresas, desconforto, descobertas.
Ainda há uma fala de que um filho é que faz uma mãe. Particularmente, concordo parcialmente. Pois uma mãe, pensando num conceito de mãe, se faz de uma história social que carregamos e de uma história particular de nossa família. Assim, uma mãe se faz de muitos pedaços.
A gestação ainda nos permite estar num estado de projeção, de perspectivas de futuro. Mas o nascimento e a relação real com o filho nos faz viver de forma intensa o presente, ao menos numa forma consciente.Porém, de um modo inconsciente refazemos, religamos e nos reconectamos com todas as mulheres de nossa linhagem. Faça um pequeno pensamento agora e tente perceber quais os fatos e aspectos que você se vê repetindo de sua mãe? Gostando ou não disso. Muitas vezes percebemos isso de modo concreto, repetindo um gesto (comida, ritual, frase) muito parecida e levamos um susto. As vezes é preciso perceber com mais sutileza… eu me dei conta de algumas coisas quando vi fotos minhas e de minha mãe na minha infância. E as vezes é preciso um olhar mais profundo, mais questionador, investigativo até para percebermos padrões de repetição.
Faça esse questionamento agora, o que você pode citar que é perceptível que passou de geração em geração entre as mulheres de sua família? Há mesmo número de filhos, perda de filhos, separações ou junções, doenças que se repetem, mudanças geográficas?
A forma como olhamos para essa história familiar e, principalmente, a forma como olhamos nossa mãe também fala de nossa maternagem. Pense agora: você acha que ela deveria ter feito melhor, deveria ter sido mais disponível, deveria ter dado mais, ela foi ausente? Ou achamos que ela era um ser imaculado, inatingível, inabalável? Agora reflita como você se vê como mãe. Parecido? Há muito esforço para ser diferente dela? Ou igual a ela?
Em nosso ato de maternar revivemos também o que recebemos enquanto bebê, enquanto filhos. Assim, é revisitando nossa relação com a mãe que podemos rever nossa relação com nossos filhos (concretos ou não ou mesmo nossos projetos de vida).
Acredito que o exercício que nós mulheres podemos fazer hoje é experimentar se é possível olhar para sua mãe e perceber nela essa mulher, também bem comum, que se defrontou com coisas na vida em que ela tenha se percebido também com dificuldades para resolver.
Uma mulher comum, que também caminhou na vida como a gente, sem manual de instrução. Acertou e errou, em um método de aprendizado comum a todos. Então, busque olhar um pouco mais e amplie a sua relação com sua mãe dentro de um sistema maior, dentro de um sistema de possível repetição de valores e padrões familiares. Pense nela na relação com sua avó, sua avó com sua bisavó. Pesquise como foi a relação de sua mãe com seus pais, o que aconteceu de significativo em sua vida, quais perdas teve. Sinta (em seu corpo) como é ela, antes de ser sua mãe, uma mulher, uma filha. E veja o que isso produz em você.
Esse é o convite pra hoje. Dar uma pincelada naquilo que nos produz enquanto mulheres. Pensando que este mês é comemorado o dia das mães. Faça esse exercício de olhar para as mulheres de sua família mesmo que sua mãe não esteja mais presente, mesmo que não tenha conhecido sua história, mesmo que tenha sido uma relação difícil. Sinta a força que a vida carrega e a força de sua linhagem feminina que faz com que você hoje esteja aqui.
Essa tomada de consciência também libera nossos filhos de levarem adiante essas situações e relações difíceis. Pois na medida em que uma mulher assume suas próprias sombras libera esse filho de olhar por ela. O filho pode ser uma oportunidade de ingressar num mundo sombrio, mas inevitavelmente cheio de amor, pois foi através desse amor que você nasceu e seu filho também. E aqui não falo de um amor romântico, falo do amor como a força de levar a vida adiante.
Letícia Martins
É psicóloga graduada pela Unisinos e possui 18 anos de experiência no atendimento a mulheres que sofrem com ansiedade. Ao longo da sua carreira, já atendeu mais de mil mulheres, ajudando-as a superarem os desafios da ansiedade e construírem uma vida mais plena e feliz.
(51) 98039.92.54
@psico.leticiamartins
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